Farinha de minhocas

1 Introdução

Populações nativas utilizam animais terrestres invertebrados, inclusive minhocas, como fonte proteica alimentar, um hábito tradicional de 32 comunidades integrantes da Região Amazônica — Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (Paoletti et al., 2003).

De forma similar, os nativos aborígenes do Sul da Austrália e os Maoris da Nova Zelândia se alimentam de minhocas, consideradas manjares, fontes de proteínas, ácidos graxos e micronutrientes, que asseguram a sobrevivência (Sabine, 1983). Os povos Astecas, que viviam no México e na Guatemala, costumavam assar minhocas em fogueiras ou secá-las ao sol, e transformá-las em pó, para ser consumida com pão ou ensopada (Nyerges, 1979).

Em países orientais como Japão, Filipinas, Taiwan e China, e em parte do continente africano, a minhoca é utilizada como complemento alimentar (Ferruzi, 1984).

Nos últimos anos, alguns países da Europa elaboraram vários produtos à base desse anelídeo, como minhocas com cogumelos enlatados, biscoitos com minhocas e pão de minhocas (Sun e Jiang, 2017).

Outra forma de consumo das minhocas é como sopa, pois é considerada uma iguaria tradicional, oferecida em alguns restaurantes da província de Guangdong — China. Além disso, esse anelídeo pode ser também misturado com carne, para torná-la mais saborosa (Zeng et al., 1982).

A carne de minhoca tem sido utilizada na alimentação animal e humana devido ao seu alto conteúdo de proteínas (Tabela 1), boa proporção de aminoácidos essenciais, vitaminas e nutrientes, como ferro e cálcio (Quinto, 2006). A digestibilidade das proteínas da minhoca vermelha da Califórnia é superior a 95%, isso quer dizer que permite ao corpo uma elevada absorção de nutrientes (Pires, 2013).

Os níveis de proteína bruta em minhocas detritívoras variam em função da espécie, do substrato ofertado, do ambiente, do sistema de produção, das estações do ano e do método de processamento utilizado, particularmente, em relação à limpeza do conteúdo intestinal.

Tabela 1 – Composição da carne de minhocas e teores de vitaminas na matéria seca

2 A farinha de minhoca na alimentação humana

A produção de farinha de minhoca mudou o paradigma mundial da vermicompostagem, pois, em algumas atividades comerciais, a farinha passou a ser o principal produto. Sendo assim, o manejo desses anelídeos foi adaptado nos sistemas de criação para produção de biomassa, e o vermicomposto passou a ser um subproduto da atividade.

Vários países latino-americanos, como México, Bolívia, Chile, Peru e Colômbia, para minimizar a subnutrição, estão recorrendo à utilização de farinha de minhoca, como alternativa à falta de proteína animal, para melhorar a qualidade nutricional dos alimentos (Paoletti et al., 2003) e minimizar os efeitos da fome e da subnutrição. Porém, a utilização da farinha de minhoca está se popularizando em todo país, como suplemento alimentar (Figura 1).

Figura 1 – Ingestão de cápsula de farinha de minhoca.

 

A farinha de minhoca representa uma fonte proteica de alta qualidade (Tabela 2), que pode minimizar a subnutrição, pois é capaz de fornecer todos os aminoácidos essenciais — aqueles que o organismo humano não é capaz de sintetizar — em quantidade suficiente para crianças de 2 a 5 anos, ficando abaixo das necessidades apenas para os sulfurados e aromáticos.

De acordo com Vielma et al. (2007), fornece vitaminas do complexo B, como também eletrólitos essenciais expressos em mg kg-1: Na 632 – 1.071 e K 654 – 942, e elementos essenciais em mg kg-1: Ca 202 – 211; Mg 92; P 930 – 1.076; Fe 104 -105; Zn 4,4; Cu 1,9 – 2,0; Mn 4,9 – 5,4; e Li 0,7. Dentre os elementos essenciais, destaca-se a quantidade de ferro, que é fundamental para a formação da hemoglobina no sangue.

Tabela 2 – Necessidades de aminoácidos essenciais nas proteínas recomendados pela FAO (1985) e a composição da farinha de minhoca.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Educação Superior Tecnológica Pública Pedro Vilcapaza, província de Azángaro, cidade de Puno — Peru — foi premiada com a proposta: combater a anemia infantil com bolacha de farinha de minhoca. Os testes mostraram que após dois meses, 90% das 73 crianças que consumiram as bolachas, enriquecidas com ferro, apresentaram melhoras notáveis (Koechlin, 2015). Dessa forma, os autores esperam converter a bolacha de minhoca em suplemento alimentar. A falta de ferro (Fe), mineral associado ao desenvolvimento cognitivo, físico e social, interfere na formação da hemoglobina, responsável pelo transporte de oxigênio no sangue.

3 A farinha de minhoca na alimentação animal

Nas criações de animais de uma forma geral, os principais fatores limitantes são as fontes protéicas e energéticas que compõem as rações. Para formulação de rações para aves, suínos e peixes, geralmente se utilizam, respectivamente, farinha de peixe ou de soja, farinha de carne e ossos ou farinha de vísceras e farinha de pescado (Tabela 3).

Tabela 3 – Composição química e valor energético de alimentos de origem animal e vegetal utilizados na alimentação animal

3.1 Suínos

Vieira et al. (2004) realizaram um ensaio de digestibilidade, durante 13 dias, visando a estimar o valor nutritivo da farinha de minhoca comercial, quando comparada ao farelo de soja, na alimentação de suínos cruzados (Duroc x Landrace x Large-White), alojados individualmente em gaiolas de metabolismo, com peso inicial médio de 27,85±1,73 kg.

As rações de farinha de minhoca e farelo de soja foram utilizadas, individualmente, na substituição de 30% da ração basal. Os resultados demonstraram que a farinha de minhoca é uma fonte de proteína animal de alta qualidade, bem consumida pelos suínos e com digestibilidade semelhante à do farelo de soja.

3.2 Peixes

Rotta et al. (2003) avaliaram a substituição da farinha de peixe pela farinha de minhoca (Eisenia fetida) no crescimento de pós-larvas de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus). A farinha de peixe, que correspondeu a 50% da proteína da dieta, foi substituída pela farinha de minhoca nos seguintes níveis: 0%, 20%, 40%, 60%, 80% e 100%, sendo balanceada, tornando as combinações isoproteicas (42% de PB) e isocalóricas (3.240 kcal kg-1) de energia digestíveis.

A biometria realizada aos 41 dias de experimentação demonstrou que baixos níveis de substituição da farinha de peixe (20%) melhoram o crescimento dos animais e que a substituição total da farinha de peixe pela farinha de minhoca é prejudicial ao desenvolvimento dos peixes, mas não afeta a sua sobrevivência (Rotta et al., 2003).

Os autores realizaram estudos da viabilidade econômica e ressaltam que, embora o nível de 20% de substituição da farinha de peixe pela farinha de minhoca tenha apresentado os melhores resultados, sob o ponto de vista econômico, essa substituição torna-se inviável para a piscicultura, devido ao elevado custo da farinha de minhoca, R$ 13,34/kg, enquanto que a dieta convencional foi de R$ 0,82/kg. Como alternativa, os autores sugerem que a farinha de minhoca seja utilizada na aquariofilia, na qual o preço da ração tem custo superior ao praticado na piscicultura convencional.

Referências

Ferruzi, C. Manual de lombricultura. Madrid: Mundi Prensa, 1984.

Koechlin, J. J. G. Puno: buscan combatir anemia con galletas de harina de lombriz. Disponível em: https://elcomercio.pe/peru/puno/puno-buscan-combatir-anemia-galletas-harina-lombriz-238428-noticia/?ref=ecr. Acesso em: 22 abr. 2020.

Nyerges, C. Urban wilderness: a guidebook to resourceful city living. Culver City, CA: Peace Press, 1979.

Pires, M. B. Harina de lombriz: una alternativa saludable para nuestra alimentación. 79 f. Trabajo de fin de Grado (Licenciatura en Nutrición) – Universidad FATSA, Facultad de Ciencias Médicas, Mar del Plata, 2013.

Quinto, K. C. Determinación biológica de la calidad de proteica de la harina de lombriz. 65 f. Trabajo de Fin de Grado (Licenciada en Nutrición) – Universidad Nacional Mayir de San Marcos, Lima, Perú, 2006.

Rotta, M. A.; Afonso, l. O. B.; Penz Júnior, A. M.; Wassermann, G. J. Uso da farinha de minhoca como alimento para pós-larvas de tilápia. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 38 p. (Boletim de pesquisa e desenvolvimento, 45).

Sabine, J. R. Earthworms as a source of food and drugs. In: Satchell, J. (Ed.). Earthworms ecology: from Darwin to vermiculture. Heidelberg: Springer Netherlands, 1983. p. 285-296.

Sun, Z.; Jiang, H. Nutritive evaluation of earthworms as human food. In: MIKKOLA, H. (Ed.). Future foods. London: IntechOpen, 2017. p. 127-142.

Vieira, M. L.; Fe3rreira, A. S.; Donzelle, J. L. Digestibilidade da farinha de minhoca para suínos. Boletim de Indústria Animal, Nova Odessa, v. 61, n. 1, p. 83-89, 2004.

Vielma, R. A.; Carrero, P.; Rondón, C.; Medina, A. N. Comparación de contenidos minerales y elementos trazas en la harina de lombriz de tierra (Eisenia foetida) utilizando dos métodos de secado. Saber: Revista Científica del Consejo de Investigación de la Universidad de Oriente, Cumaná, v. 19, n. 1, p. 83-89, 2007.

Zeng, Z, P.; Zhang, G.; Xu, Q. Earthworm cultures. Wuhan: Hubei People’s Publishing House, 1982.

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